sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Manifesto aos nefelibatas!


E por falar em sonhos e depois de andar nas nuvens esses dias, minha humilde mente andou divagando... e de um adjetivo colocado por um amigo em uma conversa casual, eis que surge mais um post de divagações de concurseira.


Sonhar com o cargo público faz bem. Faz bem sonhar com o nome na porta do gabinete, com os processos e com a assinatura em cima do "Juiz de Direito" ou "Promotor de Justiça" (e para alguns com o salário caindo na conta corrente). Tudo isso motiva, dá força de vontade, gera empenho... Mas o que acontece com aquele concurseiro que sonha, sonha, sonha e não se dedica de corpo e alma (na medida do possível) aos livros, resumos, esquemas e aulas? Com exceção do mínimo dos concurseiros que aprendem por osmose, os nefelibatas não passam. Mesmo. Isso aqui não é um manifesto de mau agouro, frise-se. "No pain, no win", ouvi certa feita e sim, eu acredito nisso. Ao lado do sonho, caminha a ação, a dedicação, o tempo "perdido" sentado lendo, escrevendo, lendo, resumindo, lendo, questionando, lendo, falando, lendo, pensando, lendo...


Em suma... Não se trata de somente sonhar. Trata-se de sonhar e ao mesmo tempo agir para que o sonho torne-se realidade. Sem ação, o sonho não tem pilar para chegar ao chão (até com rima). A inspiração aparece de repente quando o concurseiro estuda. É por isso que hoje eu desejo que você, concurseiro, sonhe. Contudo, sonhe com o livro e o vade mecum do lado. Seu tempo hoje parece perdido e pouco aproveitado. Seu tempo amanhã será invejado e desejado por outros. E quando passar... avise-me tá?


"Concurso público: a dor é temporária, o cargo é para sempre". William Douglas.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

E o sonho começa a se tornar realidade

Enfim, fez-se a Lei. Na data de oito de janeiro de 2009, foi publicada a lei ordinária federal 11.900. Depois de muita discussão nos âmbitos doutrinário, jurisprudencial e legislativo, esta Lei, que altera os artigos 185 e 222 do CPP, além de incluir o artigo 222-A, permite a realização de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência. Permitir ao magistrado resguardar sua segurança, a de seus auxiliares, e a pública, e, ao mesmo tempo, garantir ao réu um processo garantista é um grande passo dado pela Reforma do CPP. Uma questão surge: como implantar? Num país onde a infraestrutura do Poder Judiciário é - por se dizer - modesta; como existir meios modernos de transmissão de som e imagem em tempo real em todas as comarcas brasileiras? Ocorre que não há porque desanimar. É o "sonho do moderno processualista" que começa a ganhar corpo e dá esperança aos "sonhadores da Justiça".

Quando, em 1996, realizei (na condição de juiz de direito) os primeiros seis interrogatórios on-line do país (e da América Latina) jamais passou pela minha cabeça que esse avanço tecnológico, sumamente importante, fosse encontrar tanta resistência "analógica". Agora, com a Lei 11.900/09, finalmente, a questão está formalmente solucionada.No processo civil todo tipo de modernização eletrônica já é admitida (e vem sendo praticada). A vida moderna seria impraticável sem a informatização. A Justiça criminal de praticamente todos os países civilizados (Estados Unidos, Itália etc.), desde a década de 90, já utiliza a videoconferência. E o que se passa no Brasil? Somente agora é que, no processo penal brasileiro, podemos usar a videoconferência. São muitos os argumentos favoráveis ao uso da videoconferência na Justiça criminal: risco de fugas, risco de resgates, economia orçamentária etc. Mas os adeptos da ideologia da segurança e do punitivismo estão atrapalhado o debate racional porque só falam em celeridade (dizem: com a videoconferência podemos colocar o sujeito na cadeia —os pobres, claro— mais rapidamente).O argumento desfavorável mais repetido é o seguinte: com a videoconferência impede-se o contato físico do réu com o juiz. Na década de 60 (do século XX) foram proclamados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Eles falam em contato pessoal do acusado com o juiz. Esse contato "pessoal", naquela época (analógica) só podia ser físico. Hoje tais dispositivos devem ser interpretados progressivamente (ou seja: digitalmente, não analogicamente). O sistema de videoconferência é uma nova forma de contato direto ("pessoal"), não necessariamente no mesmo local. Como sublinhou a ministra Ellen Gracie, "além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características relativas à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a idéia da ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do seu interrogatório".Mas os adeptos da ideologia da eqüidade (os chamados minimalistas ou progressistas) também estão atrapalhando o debate sereno e racional sobre o tema porque se prendem (analogicamente) ao método, não à essência ou à forma do ato. Desde que observadas todas as garantias constitucionais, internacionais e legais, não há como reconhecer a invalidade da videoconferência. Essa formalidade (respeito às garantias fundamentais) é o que mais importa. Não interessa tanto o método (tecnológico), sim a forma (circunstâncias do ato). Nem eficientismo (sustentado pelos que só querem punir mais rapidamente o réu) nem garantismo vesgo (analógico). O sonho do moderno processualista consiste em alcançar um modelo de processo penal eficiente com garantias: a videoconferência tem que acontecer em sala especial nos presídios, com acesso público, a presença de um funcionário judicial neste local se faz necessária, a comunicação direta e privada – linha telefônica exclusiva - entre o réu e o seu advogado é totalmente imprescindível etc. O fundamental, como se vê, não é o método, sim a forma (porque forma é garantia no processo penal). E todas essas formas goram garantidas pela Lei 11.900/2009.O problema era de legalidade. Leis estaduais não podem cuidar da matéria (que é processual). A propósito, o Supremo Tribunal Federal (no HC 90.900-SP, rel. ministro Menezes Direito) reconheceu a inconstitucionalidade da lei paulista (Lei 11.819/2005) sobre videoconferência (nove votos a um). A decisão do Supremo foi muito acertada (do ponto de vista formal) porque, de fato, lei estadual não pode cuidar de tema processual. Não se pode confundir processo com procedimento. Sobre processo (o interrogatório e as audiências são inequivocamente atos processuais) somente a União pode legislar.Recentemente, num processo que corre pela Comarca de Franco da Rocha, o STF determinou a liberação de vários "chefes" do PCC (Primeiro Comando da Capital) porque ele já se arrastava por quatro anos, sem ter sentença. Motivo: os réus não foram apresentados quase uma dezena de vezes. Com a videoconferência isso não teria ocorrido. É bem verdade que todo réu tem direito de estar presente (direito de presença) na audiência (STF, HC 86.634-SP). Mas essa presença resulta totalmente efetivada com a videoconferência (desde que cercadas de todas as garantias constitucionais, internacionais e legais). A lei brasileira permite que o juiz pratique o interrogatório dentro dos presídios. Mas isso só é possível quando houver segurança. Até hoje os juízes resistem porque não se sentem seguros no interior dos presídios. Com a devida vênia, o uso da videoconferência de modo algum torna o julgamento "mecânico e insensível" (STF, HC 88.914-SP). O método não aniquila a validade ou sensibilidade do ato. Tudo depende da forma (do respeito às garantias do réu). A informatização do Judiciário, em sua plenitude, não é uma questão de utilidade, sim, de necessidade. O caso "Mensalão" até hoje não superou sequer a fase dos interrogatórios. Isso é um absurdo! Demonstra, de forma inequívoca, o quanto está atrasado o Poder Judiciário brasileiro.Em síntese: desde que observadas todas as garantias fundamentais do acusado, não há como vislumbrar nulidade no uso da videoconferência, porque não existe nulidade sem prejuízo (Código de Processo Penal, artigo 563). De qualquer modo, como vinha "reclamando" o STF, fazia falta uma lei federal específica. A resistência à videoconferência (neste princípio do século XXI) não poderia entrar para a história com mais volume e intensidade que a que gerou a máquina de escrever (no princípio do século XX).

Luiz Flávio Gomes - 13 de janeiro de 2009.

Veja o texto completo da Lei 11.900/2009 aqui.