sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

"Eu repristino, tu repristinas, ele repristina"

Resolvi postar as "breves" (tenho problemas com a definição dessa palavra, como você já percebeu) linhas sobre a aplicabilidade da Constituição no tempo. Assim, dou mais uma chance para você tentar resolver as questõeszinhas do post anterior. No próximo, coloco o bendito gabarito. Mãos à obra!
O que acontece com as normas que foram produzidas na vigência da Constituição anterior com o advento de uma nova Constituição? São revogadas? Perdem a validade? Devem ser novamente editadas? O direito intertemporal, vale dizer, tem relação direta com a segurança dos cidadãos. “O respeito ao direito adquirido, com a conseqüente proibição da retroatividade da norma legal, é um verdadeiro instrumento de paz social, impeditivo do arbítrio e do abuso de poder por parte do detentor deste[1]”.

1) Relação da Constituição NOVA x Constituição ANTERIOR

a) A Constituição anterior é inteiramente revogada: AB-ROGAÇÃO (revogação total). É a tese que prevalece na doutrina e que é aceita pelo STF. Assim, toda a Constituição é revogada automaticamente com o advento de uma nova Constituição, independentemente de conter normas compatíveis com a nova ordem constitucional.

b) Tese da desconstitucionalização: É a tese minoritária, defendida por Maria Helena Diniz. As normas da Constituição anterior podem ser recebidas (recepção) se houver compatibilidade material com a nova Constituição e desde que o assunto não tenha sido tratado na nova Constituição. Contudo, serão recebidas como LEI ORDINÁRIA, e não como normas constitucionais. A desconstitucionalização, portanto, é a possibilidade de recepção tácita, pela nova ordem constitucional, de dispositivos da Constituição anterior como legislação infraconstitucional. Essa teoria da desconstitucionalização tácita é vedada no ordenamento jurídico, sendo aceita somente se houver dispositivo expresso na Constituição nova recepcionando a anterior como lei (desconstitucionalização expressa).

Por que a denominação “desconstitucionalização”? Porque os dispositivos da Constituição anterior sofreriam um processo de desconstitucionalização, isto é, perderiam eles sua natureza de normas constitucionais, e ingressariam no novo ordenamento como se fossem meras leis.

Em suma... No silêncio da nova Constituição, entende-se que TODA a constituição anterior foi revogada, inclusive suas cláusulas pétreas. É o fenômeno da ab-rogação.

2) Relação da Constituição NOVA x direito infraconstitucional anterior (lei anterior)
Leva em consideração o princípio da segurança jurídica, e a continuidade da ordem jurídica.

a) Lei ou ato normativo anterior é recebida pela nova Constituição: RECEPÇÃO, continuando em vigor. Devem ser aferidos dois requisitos para a recepção da lei anterior: a) deve ser constitucional em face da Constituição anterior; e b) deve existir compatibilidade material (de conteúdo) com a nova Constituição.

b) Lei ou ato normativo anterior não é recebida pela nova Constituição: NÃO-RECEPÇÃO. Ocorre quando a lei é inconstitucional em face da Constituição anterior, ainda que compatível com a nova Constituição (isto é, inconstitucionalidade material). Isso porque a Constituição nova não convalida e nem corrige vícios de inconstitucionalidade das leis e atos normativos anteriores.

**Incompatibilidade da lei anterior com a Constituição nova no aspecto formal à uma lei que fere o processo legislativo previsto na Constituição nova, poderá ser recebida por ela se compatível? SIM. É irrelevante que exista incompatibilidade formal com a Constituição nova, pois não existe inconstitucionalidade formal superveniente. O maior exemplo é o CTN, que foi recebido como lei complementar pela CF vigente, embora tenha sido editado como lei ordinária, durante a vigência da Constituição anterior.

São requisitos para a recepção da lei anterior:
Ø Estar em vigor no momento do advento da nova Constituição;
Ø Não ter sido declarada inconstitucional durante a sua vigência no ordenamento anterior;
Ø Ter compatibilidade formal e material perante a Constituição sob cuja regência ela foi editada (no ordenamento anterior);
Ø Ter compatibilidade somente material, pouco importando a compatibilidade formal, com a nova Constituição.

c) REVOGAÇÃO total (ab-rogação) ou parcial (derrogação): quando a lei ou ato normativo infraconstitucional for compatível materialmente com a Constituição anterior, porém incompatível materialmente com a nova Constituição, será por esta revogada.

**Incompatibilidade material superveniente? A tese que sustenta a inconstitucionalidade material superveniente das leis anteriores em face da nova Constituição não é aceita pelo STF. Para este tribunal, não se pode falar em inconstitucionalidade nessa situação (confronto de uma lei antiga com a nova constituição), porque “o juízo de constitucionalidade pressupõe contemporaneidade entre a lei e a constituição, isto é, pressupõe lei e constituição de uma mesma época”. Pode ocorrer, contudo, em um única hipótese, na mutação constitucional. Assim, com a nova interpretação, a lei que nasceu constitucional, torna-se inconstitucional. Os efeitos aqui são ex nunc, a lei é declarada inconstitucional a partir da mutação.

Conclusões da RECEPÇÃO:
Ø No fenômeno da recepção, só se analisa a compatibilidade material perante a nova Constituição;
Ø Como a análise perante o novo ordenamento é somente do ponto de vista material, uma lei pode ter sido editada como ordinária e ser recebida como complementar;
Ø Se incompatível, a lei anterior será revogada, não se falando em inconstitucionalidade superveniente;
Ø Neste caso, a técnica de controle, ou é pelo sistema difuso, ou pelo concentrado, mas, neste último caso, somente por meio de ADPF. Isso porque só se fala em Adin de uma lei editada a partir de 1988 e perante a CF/88 (princípio da contemporaneidade);

d) REPRISTINAÇÃO: este fenômeno ocorre quando uma lei volta a vigorar, pois foi revogada a lei revogadora. “Uma norma produzida na vigência da CF/46 não é recepcionada pela de 1967, pois incompatível com ela. Promulgada a CF/88, verifica-se que aquela lei, produzida na vigência da CF/46 (que fora revogada – não recepcionada – pela de 1967), em tese poderia ser recepcionada pela CF/88, visto que totalmente compatível com ela. Nessa situação, poderia aquela lei, produzida durante a CF/46, voltar a produzir efeitos?
[2]” Como regra geral, o Brasil adotou a impossibilidade do fenômeno da repristinação (de forma tácita), SALVO se a nova ordem jurídica expressamente assim se pronunciar (artigo 2.º, §3.º, LICC, salvo disposição em contrário, a lei revogadora não se restaura por ter a lei revogadora perdido vigência). A regra, portanto, é a irretroatividade, não existindo retroatividade tácita.

Referências:

[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 93.
[2] Ibidem, p. 96.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sem ziriguidum

No ritmo do carnaval...o concurseiro estuda. Aproveita para limpar a escrivaninha ou o local de estudos e jogar fora aquele monte de papéis que atrapalham o estudo. Coloca a matéria atrasada em dia, começa a ler a constituição, compra livros, reflete sobre a vida... Afinal, melhor estudar nesse carnaval para festar nos anos seguintes e curtir o merecido descanso (e a recompensa).
É para manter o ritmo de estudos forte do começo do ano, que hoje posto várias assertivas sobre a aplicabilidade da constituição no tempo. Tente! É só marcar certo ou errado. Nos próximos posts você encontra a resposta e breves linhas explicativas.
1) (CESPE/TCU/96) As normas jurídicas devem ser editadas em conformidade com a Carta Política vigente. É certo, porém, que, sobrevindo uma nova Constituição, a norma jurídica anterior, cuja origem seja formalmente incompatível com o novo processo legislativo, não será recepcionada.
2) (CESPE/TCU/96) A posição hierárquica de uma norma é definida pelas regras constitucionais vigentes. Por essa razão, pode-se encontrar, hoje, decreto presidencial vigendo com força de lei, tendo sido recepcionado como tal pela Constituição superveniente.
3) (ESAF/AFTN/94) Quanto ao direito ordinário pré-constitucional é correto afirmar-se: deve ser considerado como recebido pela nova ordem constitucional, desde que se mostre com ela compatível tanto sob o aspecto formal, quanto sob o aspecto material.
4) (ESAF/AFTN/94) Quanto ao direito ordinário pré-constitucional é correto afirmar-se: a incompatibilidade entre lei anterior e norma constitucional superveniente refere-se apenas a aspectos materiais (conteúdo).
5) (CESPE/TÉCNICO LEGISLATIVO/MPE/GO) Na vigência do regime jurídico anterior à Constituição Federal de 1988, determinado tema havia sido disciplinado por meio de lei ordinária. A CF passou a exigir que o mesmo assunto fosse disciplinado por lei complementar. Em face dessa situação, a antiga lei foi recepcionada pelo novo ordenamento jurídico com status de lei complementar.
6) (CESPE/DELEGADO/GO) Caso determinada lei se torne materialmente incompatível com a Constituição Federal em decorrência de aprovação de Emenda Constitucional, é correto afirmar que a lei tornou-se inconstitucional.
7) (ESAF/AFRF/2001) Sabe-se que a Constituição em vigor não prevê a figura do Decreto-Lei. Sobre um Decreto-Lei, editado antes da Constituição em vigor, cujo conteúdo é compatível com esta, é possível afirmar que deve ser considerado formalmente inconstitucional e, por isso, insuscetível de produzir efeitos, pelo menos a partir da Constituição de 1988.
8) De acordo com a opinião predominante, as normas da Constituição anterior, não incompatíveis com a nova Lei Maior, continuam válidas e em vigor, embora com status infraconstitucional.
9) As normas ordinárias anteriores à nova Constituição, com esta materialmente compatíveis, mas elaboradas por procedimento diverso do previsto pela nova Carta, tornam-se constitucionalmente inválidas.
10) Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a superveniência de norma constitucional materialmente incompatível com o direito ordinário anterior opera a revogação deste.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"Pontes de Camila"


"As pessoas são solitárias porque constróem paredes em vez de pontes".
(Joseph F. Newton)

Coisa chata não compartilhar o material de cursinho com os outros, né? Estava lendo uma lista de dicas para concursos que rolam por aí na internet e achei essa:

"28. ESTABELEÇA UM MERCADO DE INFORMAÇÕES - Não seja o bonzinho da turma. Não seja aquele que traz as novas, os exercícios e os bons livros. Compartilhe as informações com aqueles que compartilham com você. Deve haver uma relação de troca. Não procure, da mesma forma, só sugar. Isso o afasta das pessoas que possuem os mesmos objetivos que você e que, certamente, poderiam ajudá-lo".
Creio eu que as coisas não são estanques dessa forma. Os concurseiros devem sim trazer as novidades e trocar exercícios e livros. Porém, o ato mais legal é compartilhar sem esperar nada em troca. Acho que só assim e só com o tempo o tal do "mercado de informações" acontece. É aquele velho ditado: "tudo que me desejar que volte em dobro para você". Eu desejo que todo mundo passe no concurso que almeja; e tudo que estiver ao meu alcance, como novidades, notícias e material, vou passar adiante. Mas não passo informações esperando algo em troca. Passo porque gosto do que faço. Gosto de estudar, ler notícias, conversar sobre concursos, falar de professores do cursinho. E tem mais: compartilhar não vai me fazer ficar para "trás" na luta dos concursos. A vitória na prova depende única e exclusivamente de mim (e a sua de você). Hoje sou muito grata quando recebo emails com milhões de coisas de cursinho. Recebo livros, provas comentadas, caricaturas de concurseiros, piadinhas, apostilas, aulas digitadas, coisas boas, coisas engraçadas, coisas ruins e até coisas de vestibular. Quem sabe um dia eu não monte a minha lista de dicas para passar num concurso e nela, garanto, não vai conter aquela que eu colacionei ali em cima. Esse post foi em agradecimento a todos aqueles que me mandam coisinhas, em especial ao Victor, pelo email ENORME que recebi no domingo. Até matéria de física tem lá. Como você adivinhou que eu não entendo nada disso? :P

Orgulho-me. Adoro ser boazinha no quesito "apetrechos de concurso". E abaixo essa dica!
Notas sobre o post:
1) A foto do post é do "Le Viaduc du Millau", na França. É considerada a ponte mais alta do mundo. Essa foto é da sua construção e eu achei linda. Maiores informações aqui. O site é em francês.
2) Sobre o título do post, é uma alusão ao "extraordinário" Pontes de Miranda. Não era para "me achar" ou coisa do tipo. Sou fã desse cara. Biografia e fotos dele aqui.
3) A trilha sonora do post de hoje não poderia ser a óbvia (e melancólica, porém linda) "Under The Bridge". Ouvi Pearl Jam, com a música "Angel", do álbum "Bridge School Benefit". A música e o vídeo aqui.
4) Aceita-se doação de materiais de concurso. Sempre. :D

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

"Neomodismos" jurídicos

Você já ouviu falar sobre Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo?

A alegação de ofensa à Constituição Federal em países com estabilidade política e em verdadeiro Estado Democrático de Direito é gravíssima, reclamando a atenção de todos, principalmente da população. O Direito Processual é regido por normas que se encontram no texto da Carta Magna e por normas da legislação infraconstitucional. Por vezes, ao afrontar normas processuais, afrontam-se normas constitucionais.

O estudo do Direito Processual sofreu a influência desta renovação do pensamento jurídico. O processo volta a ser estudado a partir de uma perspectiva constitucional (o que não é novidade), mas agora seguindo esse novo repertório, que exige dos sujeitos processuais uma preparação técnica que lhes permite operar com cláusulas gerais, princípio da proporcionalidade, controle difuso de constitucionalidade de uma lei, etc. Já se fala, neste contexto, de um Neoprocessualismo: o estudo e a aplicação do Direito Processual de acordo com essa nova proposta do pensamento jurídico. (...) Não há como estudar o processo (civil, penal, trabalhista, etc.), ignorando que boa parte dos seus princípios hoje está consagrada no texto constitucional, na parte dedicada aos direitos fundamentais. Para além dos princípios constitucionais, hoje se fala em direitos fundamentais processuais
[1]”.

A teoria denominada NEOCONSTITUCIONALISMO, que ganhou corpo na segunda metade do século XX (a partir da 2.ª Guerra Mundial), tem como principal característica a revalorização da Constituição: esta não é vista mais apenas como uma carta de intenções e sim como principal fonte normativa do Estado Constitucional. O neoconstitucionalismo tem três pilares:
Ø O desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais;
Ø A teoria dos princípios como fonte normativa, isto é, norma jurídica; e
Ø O aprimoramento da jurisdição constitucional (com maior enfoque do controle de constitucionalidade pelo juiz).

O neoconstitucionalismo aplicado ao processo gera o que os autores denominam de NEOPROCESSUALISMO, isto é, uma doutrina que visa aplicar ao processo as três premissas do neoconstitucionalismo. Sendo assim, o neoprocessualismo visa a redefinição dos institutos processuais, criando um novo estudo das categorias processuais.

Como analisar a relação entre processo e os direitos fundamentais?
Para responder a essa pergunta é preciso analisar se o caso é de dimensão subjetiva ou objetiva dos direitos fundamentais.

  • Dimensão subjetiva: cada pessoa é titular de direitos fundamentais, como a liberdade. Nesse caso, é preciso que o processo seja adequado à tutela dos direitos fundamentais, como o instituto do habeas corpus, que tutela a liberdade.
  • Dimensão objetiva: os direitos fundamentais são normas (além de propriamente direitos) e impõem observância normativa. Aqui, as normas de Direito Processual têm de estar em conformidade com as normas dos direitos fundamentais (por exemplo, uma norma processual que não contenha o contraditório não é válida).

Nessa linha de raciocínio, o Direito Processual pode se subdividir em Direito Constitucional Processual e Direito Processual Constitucional. Essa divisão é eminentemente didática, salienta-se.

Ø Direito Constitucional Processual: reúne o conjunto de normas de Direito Processual que se encontram na Constituição Federal.

Ø Direito Processual Constitucional: reunião dos princípios com o fim de regular a denominada jurisdição constitucional, isto é, dedica-se ao estudo das chamadas ações constitucionais, como o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, ação popular, mandado de injunção, etc.

Em suma, vale a referência de dois institutos talvez nem tão novos assim no ordenamento jurídico, mas que estão sob os holofotes, ou, como se diz por aí, "na moda".

Referência:
[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol. 1. 9. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: JusPodium, 2008. p. 29-30.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Teddy Bear


Diga-me vc, amigo concurseiro, "gostaria de encontrar o amor da sua vida ou passar num concurso público"? A conversa com amigas no cursinho hoje, resultou neste post, até certo ponto melancólico. A pergunta veio do nosso profe Pablito. E tenho certeza que até hoje passa pela cabeça de todas ali... Para não dizer que eu não falei de amores, cá estou.

Quantas vezes abrimos mão das coisas que amamos, sejam elas materiais ou não, por causa de um sonho? Deixa-se de lado quase tudo por horas trancados no quarto, estudando e estudando. Os livros passam a ser nossos namorados, as palavras nossas paixões, a descoberta do conhecimento nossa emoção. Eu, sinceramente, não sei responder a pergunta.

Como diz o profe, nada melhor do que passar num concurso logo, daí o amor da vida "aparece". :D Eu li certa feita no blog do Concurseiro Solitário que quando passamos num concurso ficamos mais lindos, mais magros, mais altos, mais charmosos... Ainda dou risada com isso (até porque o vídeo do post era a pérola musical "I´m too sexy").

Não vou ficar divagando muito sobre esse assunto, quem sabe eu volte a ele mais vezes... Enfim, não há que se preocupar. Deixa que a vida se encarrega de trazer o que é nosso para nós. Seja o cargo público, seja the love of your life.


De quebra, veja um vídeo da trilha sonora do meu post de hoje. :D


domingo, 8 de fevereiro de 2009

Devolva-me a minha laranja!

Estive pesquisando sobre o crime de homicídio (artigo 121, CP), pois uma aula no cursinho ontem despertou-me uma dúvida. Afirmava o professor com "certeza" que a ausência de motivos "para a maioria da doutrina e jurisprudência" equipara-se ao homicídio qualificado por motivo fútil (artigo 121, §2.º, II, CP). Ele dizia: "se um pouco de motivo já qualifica o homicídio, quem dirá sem motivos?".
Eu sempre aprendi que a ausência de motivos não qualifica a conduta do sujeito ativo do homicídio. Assim, o homicídio praticado com ausência de motivos é sempre simples, enquadrando-se no caput do artigo 121. O que em um primeiro momento parece irracional, e ilógico, visto que o sistema brasileiro não tipifica a "ausência de motivos" como qualificadora, fazendo com o que o agente tenha um apenamento mais brando; é reafirmado pela maioria SIM da doutrina. Isso ante o princípio basilar do sistema penal, qual seja, o da legalidade, exposto no artigo 5.º, XXXIX, CF e abrindo o CP - artigo 1.º: não há crime sem lei anterior que o defina. É assim que dispõe Cezar Roberto Bitencourt: O homicídio simples, em tese, não é objeto de qualquer motivação especial, moral ou imoral, tampouco a natureza dos meios empregados ou dos modos de execução apresenta algum relevo determinante, capaz de alterar a reprovabilidade, para além ou para aquém da simples conduta de matar alguém. Ademais, ao longo do tempo, cristalizou-se corrente jurisprudencial segundo a qual a ausência de motivo não caracteriza futilidade da ação homicida, isto é, a absoluta ausência de motivo é menos grave do que a existência de algum motivo, ainda que irrelevante. Trata-se, na verdade, de um paradoxo que somente a exigência de absoluto respeito ao princípio da estrita legalidade nos convence a aceitar, embora no plano lógico, sociológico e ético seja absolutamente insustentável[1]”. Também nesse sentido, a lição de Luiz Regis Prado: “O motivo fútil não se confunde com a ausência de motivo ou com o motivo injusto[2]”. De igual doutrina, Celso Delmanto: “Entendamos que a ausência de motivos não pode equivaler à futilidade do motivo[3]”. Vale dizer, o motivo fútil é aquele banal, ínfimo, mínimo, desarrazoado, que demostra desproporção entre a motivação e o crime praticado. "Motivo fútil é aquele pequeno demais para que na sua insignificância possa parecer capaz de explicar o crime que dêle resulta. O que acontece é uma desconformidade revoltante entre a pequeneza da provocação e a grave reação criminosa que o sujeito lhe opõe. A um leve gracejo de um companheiro o agente responde com uma facada que o mata; vê uma criança colhendo uma laranja no seu quintal e a abate com um tiro. O que o Código toma em conta é essa estranha insensibilidade, esse desprezo pela vida alheia, que o agente revela na inconseqüente motivação do seu comportamento". (Aníbal Bruno in Crimes contra a pessoa, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979, p. 78.)

O princípio da legalidade é o escudo protetor do indivíduo contra os abusos estatais. Por disposição dele, nenhuma conduta que não seja típica pode ser condenada. Ainda, não se permite a interpretação analógica in malam partem. Veja julgado do TJRS: "HOMICÍDIO TENTADO. PRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. A ausência de motivo aparente para a prática de homicídio tentado, talvez tão ou mais reprovável, eticamente, do que a execução do crime por motivo torpe ou fútil, juridicamente não qualifica o delito, por ausência de previsão legal, mostrando-se inadmissível interpretação analógica, em decorrência do princípio constitucional da reserva legal. (TJ-RS. 3ª Câmara Criminal. Recurso em Sentido Estrito N° 70017390345/2006)".

Em suma e em linhas breves (o tema dá pano para uma camiseta inteira), a ausência de motivos não se confunde com a qualificadora do motivo fútil. Se o sujeito ativo praticar a conduta típica sem motivo nenhum, deverá ser enquadrado no caput do artigo 121, como homicídio simples. Apenas para ilustrar, colaciono um julgado, também do TJRS, a favor da equiparação: A ausência de motivo equipara-se, para os devidos fins legais, ao motivo fútil, porquanto seria um contra-senso conceber que o legislador punisse com pena maior aquele que mata por futilidade, permitindo que o que age sem qualquer motivo receba sanção mais branda” (RT 622/332).

É mais um ponto controvertido do Direito (e isso que é bom :D).

Referências:
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte especial. V. 2. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53.
[2] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol. 2. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 61.
[3] DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 250.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Estudar, cair, levantar


Parodiando um ícone da música popular brasileira, repita comigo: estudar, cair e levantar... estudar, cair e levantar... Again: estudar, cair e levantar! Pegando carona no sucesso sertanejo, como se recuperar de uma queda feia, ou melhor, como voltar à ativa depois de uma reprovação indesejada? Como escalar o muro e não falhar por falta de preparo físico?

Pois é. Por vezes estudamos, nos dedicamos mesmo, assistimos aula de cursinhos... e na hora da prova: nada. Nada e nada. É como nadar e morrer na praia ou correr e lesionar o joelho antes da linha de chegada. E depois, muito provavelmente no dia seguinte à prova, vem a tradicional DPP - depressão pós prova. Meus caros. Permitam-me aconselhá-lhos do alto de minha pouca idade e experiência. Não sei se devo e se isso irá soar um tantinho pedante... mas cá estou arriscando umas palavrinhas. É muito fácil dizer que a vida é feita de altos e baixos. Tem dias que tudo dá certo para nós e tem dias que parecem que a escuridão da noite não foi embora. Não ser aprovado num concurso público para o qual você estudou para valer, como já disse nosso mestre, "faz parte". Faz parte do jogo perder. Faz parte porque da próxima vez aqueles erros do passado vão ficar lá no passado e só aparecerão questões certas na sua frente. E como continuar? Como encarar os erros e a temida reprovação?

Simples. Levantar. Aprender com o erro. Melhorar. Aprimorar o jeito de estudar. Identificar falhas e saná-las.

Além disso, o concurseiro pode - e deve - aproveitar seu dia de DPP depois da prova. Jogar-se no sofá, comer pipoca e tomar refrigerante... derreter lentamente o cérebro assistindo novela... Mas por apenas um dia. A vida de concurseiro é uma constante luta. Derrotas, portanto, são importantíssimas para construir a vitória lá na frente. E depois, o gostinho dela é muito melhor. Uma parcela mísera de concurseiros passa de primeira. Os outros "normais" passam por sete, oito, nove, dez concursos amargando reprovações. E eis que chega a vez deles passarem. Eis que a experiência em concurso fala mais alto do que o candidato-principiante-sabe-tudo. Eis que a aprovação chega. E eis que a vida sofrida de concurseiro termina. Quem não quer ver seu nome na lista de aprovados e sim, chorar, com vontade e com a sensação de que tudo valeu a pena?


"Faça o que fizer, faça-o bem. Este é um conselho que meu pai nos dava durante a infância. Nunca fomos pressionados por nossos pais quanto a que carreira seguir; a única coisa que me lembro de meu pai dizer sobre profissões é: "Se você quiser ser um gari, tudo bem, contanto que seja o melhor gari do mundo". O sucesso exige excelência; o sucesso de longo prazo exige que a excelência faça parte de você. Não há sentido em se destacar em apenas uma área da vida. É preciso que tudo em sua vida seja importante: excelência na atitude, nos hábitos, no casamento, na vida familiar, no trabalho, em tudo. Nunca se contente com o segundo lugar, quando se trata de lutar pelo sucesso ou atingir suas metas". (Justin Herald, no livro Atitude!)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Maldição das canetas Bic!



E lá se foi mais um concurso da AGU. Não venho aqui falar da prova, nem lamentar sobre o conteúdo de Direito Previdenciário, tampouco comentar sobre a dificuldade inerente das provas elaboradas pelo Cespe.
Venho simplesmente demonstrar minha indignação para todos que quiserem ler e compartilhá-la comigo. O material permitido para uso na prova era apenas e tão somente caneta de cor PRETA e em material TRANSPARENTE. O que você, amigo concurseiro, entende por caneta preta de material transparente?
Pois lá estava eu com esta bela caneta preta transparente da fotinho aqui. Coloquei-a em cima da mesa (apertada da PUC) e em menos de um minuto surge a fiscal de sala: "Esta sua caneta não é transparente". Certo. Sorte não existir nenhum equipamento de gravação dentro da sala de concurso, pois a minha expressão facial passou por todas as cores e modos. E depois de segundos balbuciei: "Mas CLARO que é transparente". E a fiscal: "Não, ela tem borrachinha". E eu: "Mas não é considerada transparente. Tem que ser BIC?!".
Neste momento eis que surge uma alma boa. Minha xará de trás começa a resmungar: "Ai, não acredito que vão começar com essas coisinhas..." E minha xará do lado esquerdo: "Eu te empresto uma caneta". E a fiscal: "Viu, essa é transparente!". Nossa, ganhei o mundo agora. Toda a concentração pré-prova foi direto pra latinha de lixo da sala. Toda a raiva e os xingamentos do mundo e em todas as línguas passaram em milésimos no cérebro.
Agora, para que tanto rigor desmedido? Por que razão não deixar usar caneta azul, de qualquer marca, marca texto ou caneta preta? Alguém me explica, por favor.
Além disso, por que preocupar TANTO com detalhes quando poderiam se preocupar com outras coisas, como os trajes forenses? Melhor isso do que canetas BIC. Melhor fazer prova com qualquer caneta (Mont Blanc não era permitido pela regra do edital), do que fazer prova do lado de meninas de microvestido, meninos de chinelão, meninos de tênis (e que depois de dois minutos de prova tiraram o calçado para ficar mais confortável)... Aquilo não era festa e ninguém estava em casa.
É, coisas da vida de concurseiros. Indignação mode ON.