terça-feira, 30 de setembro de 2008

Lupa nunca mais!


Fiz menção ali no box da "Lei nova?!" acerca da Lei 11.785, de 22 de setembro de 2008, a qual modificou o artigo 54, §3.º do Código de Defesa do Consumidor. Segue abaixo um texto do meu ex-chefe e hoje amigo, além de estar construindo um belo nome como jurista, Danilo Andreato, sobre a inovação legislativa.


Observações à nova redação do § 3.º do Art. 54 do CDC
por Danilo Andreato

A Lei n. 11.785, de 22 de setembro de 2008, alterou o § 3.º do art. 54 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) mediante o acréscimo do trecho “cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze”. A partir de 23 de setembro de 2008, data em que a alteração entrou em vigor, “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”. A inovação legislativa merece algumas palavras sob a ótica da diferenciação entre texto e norma. Com a intenção de corporificar os atributos “ostensivo” e “legível”, o § 3.º passou a fixar o tamanho mínimo da fonte (letra) a ser utilizada nos contratos de adesão, por óbvio, escritos. Mas, no editor de texto Word, por exemplo, as inúmeras fontes disponíveis para elaboração de instrumento contratual possuem dimensões idênticas quando formatadas sob o tamanho 12? A resposta é negativa. Trocando em miúdos – e letra miúda é o que se pretende evitar nas contratações consumeristas por adesão –, estar o contrato redigido em fonte com tamanho 12 não significa necessariamente que tais cláusulas se caracterizem pela ostensividade e legibilidade, predicados requeridos por lei. Frases redigidas em “Kartika” ou “Vivaldi”, tamanho 12, possuem aparência minúscula se comparadas ao mesmo trecho sob o formato “Times New Roman”, também em dimensão 12. A mudança implementada no § 3.º do art. 54 do CDC foi redigida em favor do consumidor e, seguramente, com o pensamento voltado a fontes de uso corriqueiro, como “Times New Roman”, “Arial” e outras de semelhante estatura, revelando certa deficiência técnica na redação do dispositivo ao descer a minúcias, porém sem o afastamento de imprecisões. Como se sabe, a norma é resultante da interpretação do texto, por isso é importantíssimo atentar para as distinções práticas entre texto e norma, e devidamente identificar o comando normativo, nem sempre abrangido pelas vestes gráficas do texto da lei. Com relação ao novo teor do § 3.º do art. 54 do CDC, o fundamental é que as cláusulas do contrato de adesão, a partir da sua estética, permitam pronta detecção visual e fácil leitura, o que, a depender do tipo de fonte empregada, poderá ensejar a exigência de que as disposições contratuais estejam redigidas em tamanho mínimo superior ao corpo 12.
Revista Jus Vigilantibus, Domingo, 28 de setembro de 2008 (http://jusvi.com/)

Será que "a moda" vai pegar afinal? Difícil dizer que não houve deficiência, como bem apontou o Danilo. Porém, ao interpretar-se o dispositivo, é fácil ressaltar que se buscou proteger o consumidor contra os abusos dos contratos de adesão.

Em suma... os contratos de adesão deverão ser redigidos de forma clara, com letra de tamanho mínimo igual a 12. A letra pequena e o uso de palavras difícies à boa compreensão do consumidor poderiam resultar na invalidação do contrato. Assim, o juiz, ao interpretar o contrato de adesão com letra pequena e termos rebuscados, poderá (e deverá) pender para o lado do consumidor. Uma inovação legislativa com boas intenções, mesmo que recheada de deficiências, como bem apontou o autor do texto acima.


3 comentários:

  1. Tá aí, gostei da iniciativa e da interpretação. Complementando: ainda pior que isto é, no momento da adesão, não receber uma cópia prévia do contrato para ler com calma, para mesmo entendê-lo. Concessionárias de veículos, por exemplo, lutam para dispôr de um simples xérox do contrato que não seja no instante de sua ratificação. E sim, as letras pequenas e os trechos em português "quase-barroco" constam em todos os lugares - fato qual fez o diretor jurídico da uma determinada concessionária descer de sua sala no segundo andar para responder pequenas dúvidas - extremamente divertido, pois sua afeição era de repúdio ao "intrépido" jovem com mochila nas costas.

    Grande beijo!

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  2. De fato é deficiente a redação do art. 54, §3, do CDC. Pelo menos deveria ter se referido aos tipos de fonte, norma da ABNT, alguma coisa assim. Parabéns ao Danilo Andreato, pela análise, e à concurseira Cami, pelo blog!!!! Beijosss!!!!

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  3. Entendi desnecessário e até mesmo esdrúxulo o acréscimo conferido pela nova redação do §3º, artigo 54 do CDC.
    O texto anterior já era claro o sufiente no sentido de que as cláusulas contratuais pactuadas na modalidade de adesão deveriam ser redigidas de forma clara e ostensiva a fim de que um consumidor médio não tivesse maiores dificuldades na compreensão do seu âmbito.
    Note-se que, ao definir a finalidade da determinação legal, a lei tornou desnecessária a discussão em torno do que seria um "bom tamanho de fonte", interessando apenas ao intérprete verificar se a leitura dos termos contratuais não oferecia alguma dificuldade cognitiva ao leitor comum.
    Ora, um bom tamanho dos caracteres em contratos de adesão é aquele que não exija de uma pessoa média, e sem problemas visuais, uma concentração fora do comum.
    Até mesmo porque, para proteger o consumidor das artimanhas de toda espécie há ainda a norma do parágrafo seguinte que determina que as cláusulas limitativas de direitos do consumidor sejam redigidas com destaque, permitindo sua identificação de maneira fácil imediata.
    A simples confecção de tal cláusula limitativa em CAIXA ALTA OU mesmo em NEGRITO já possibilita tal destaque, sem necessidade de se entrar em minúcias quanto à fonte e seu tamanho.
    Determinar que o número da fonte seja igual ou superior a "12" não passa de "atecnia" legislativa, afinal de contas, qual juiz ou mesmo advogado que ao ler um contrato impresso poderá identificar o exato tamanho da fonte, bem como se os caracteres foram redigidos em "Times" ou "Arial"?

    O que interessa ao intérprete do contrato é saber se o texto tal qual redigido é claro ou obscuro, indepentemente do tamanho de fonte utilizada no contrato.

    Dessa forma, se o contrato, muito embora de adesão, permite a imediata indentificação e compreensão de seus termos, em especial no que se refere às exclusões do seu âmbito de abrangência, então tal pacto está adequado às normas consumeiristas, mesmo que o tamanho de seus caracteres corresponda exatamente à fonte Times, tamanho 11,5.

    De se ressaltar que o simples fato do contrato ser adesão não o nulifica nem transforma seu redator em um monstro cruel e sanguinário.
    Há que se ter cautela na interpretação das normas consumeristas a fim de se possibilitar a harmonização de todos os lados da relação de consumo, assim como quer o artigo 4º do CDC, evitando-se com isso uma inversão de valores e a mitigação dos princípios da livre iniciativa e da segurança jurídica.
    Contrato ainda é contrato e deve ser respeitado, desde que, claro, observadas as regras do artigo 54 do CDC.

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